Senador
Roberto Requião critica (comércio religioso na TV) e quer criar movimento para
(combater a prática).
A
abordagem em torno da teologia da
prosperidade feita por muitas das igrejas que marcam presença na grande mídia
têm incomodado muitos cristãos Brasil afora, e incomodou o senador Roberto
Requião, que redigiu uma carta aberta ao público evangélico.
Exaltando protestos contra as
práticas abusivas, Requião citou o exemplo do blogueiro Danilo Fernandes, do Genizah, e reclamou do “comércio religioso” na TV, dizendo
que o povo cristão poderia dar “suporte à ideia” de proibir programas com
enfoque na arrecadação de dízimos e ofertas.
A ideia pode, num futuro próximo,
tornar-se um manifesto e um fórum de debates, e gerar um movimento que vise a
mudança do quadro atual, trazendo transparência e ética à presença religiosa em
geral nas grandes mídias.
Requião, que já foi governador do
Paraná, afirma que no tempo que esteve à frente do governo, cedeu espaço para
igrejas realizarem eventos de massa na praça do Palácio Iguaçu, sede da
administração estadual, e afirma que o apelo por “dinheiro era entremeado de
uma série de ‘milagres’”.
“Como cristão, não desfaço dos
milagres, da intervenção sobrenatural, do incrível poder da fé. O que não posso
aceitar são esses espetáculos de cura, essa evocação dos poderes de Deus como
se eles fossem a mais banal das banalidades”, diz o senador, que sugere a averiguação
de tais milagres por órgãos sérios e reconhecidos: “Não estou propondo a
intervenção da ciência, do Estado, da Justiça nos assuntos da religião. Quero
apenas que se separe o joio do trigo, como ensinam as Escrituras”,
contextualiza Requião.
Para o senador, “parece inevitável
o paralelo entre o comércio da fé hoje e o comércio da fé nos estertores da
Idade Média. A venda de indulgências, por exemplo, que provoca os protestos
pioneiros do inglês John Wycliffe, dos tchecos Jan Huss e Jerônimo de Praga,
antecessores das reformas propostas pelas 95 teses de Lutero, equipara-se,
hoje, à venda da cura, da felicidade, da prosperidade, da salvação eterna,
desde que você contribua financeiramente com as igrejas e os pastores
televisivos”.
A ausência de ações ligadas à
contribuição social por parte das igrejas que ocupam espaços na TV também foi
motivo de observações por parte do senador Requião: “Elas pedem, mas não dão;
elas prometem prosperidade, riqueza, desde que você pague. Com seu enorme poder
de comunicação, não lideram campanhas em favor dos mais pobres, por hospitais,
creches, pela redução da mortalidade materno-infantil, pela erradicação do
analfabetismo, pela frequência escolar, contra o trabalhão escravo e contra a
exploração da mão-de-obra infantil”.
Roberto Requião, em seu apelo aos
cristãos, pede uma “firme oposição aos vendilhões de fé”, pois “é preciso que
isso tenha um paradeiro”.
Para ele, é importante que
evangélicos e católicos se unam no propósito de fiscalizar tais práticas:
“Pergunto: seria necessário a coerção de uma lei para impedir o comércio da fé?
Será que a educação, o esclarecimento e a argumentação, aos moldes dos
reformistas dos séculos XIV e XV, não seriam o caminho indicado para combater
essa novel simonia?”, questiona.
Confira abaixo, a íntegra da carta-aberta do senador Roberto Requião sobre o “comércio
da fé”, ao povo evangélico:
Danilo Fernandes, que em seu perfil
no twitter identifica-se como “cristão protestante e blogueiro diletante da
arte de aporrinhar falsos profetas e vendilhões da fé”, diz que está orando
“para que surja um político que tenha gana de passar uma lei acabando com o
comércio religioso na TV”.
Eu topo, desde que o povo
evangélico e católico, e os bons e sinceros cristãos protestantes como o
Danilo, também dêem suporte á ideia.
Na verdade, o comércio religioso na
TV, de que crença seja, incomoda-me há bom tempo. Nos dois últimos períodos em
que governei Paraná, entre 2003 e 2010, era constantemente solicitado a ceder o
espaço frontal do Palácio Iguaçu a grandes “happenings” desta ou daquela
denominação evangélica. No centro das prédicas, a convocação dos fiéis para que
pagassem os espaços que as denominações haviam comprado em emissoras de
televisão.
Para que o apelo tivesse maior
impacto, o pedido de dinheiro era entremeado de uma série de “milagres”. Cegos
que recuperavam a visão, entrevados que, de repente, andavam lepidamente,
vítimas de câncer, lombalgia ou espinhela caída que se viam livres da doença e
dos incômodos.
Como cristão, não desfaço dos
milagres, da intervenção sobrenatural, do incrível poder da fé. O que não posso
aceitar são esses espetáculos de cura, essa evocação dos poderes de Deus como
se eles fossem a mais banal das banalidades. Penso que a intervenção dos
Conselhos Regionais e do Conselho Nacional de Medicina, dos Ministérios
Públicos Estaduais e do Ministério Público Federal, ou para atestar a seriedade
dos portentos ou para desmascarar os charlatães, seria não apenas desejável e
sim obrigatória.
Não estou propondo a intervenção da
ciência, do Estado, da Justiça nos assuntos da religião. Quero apenas que se
separe o joio do trigo, como ensinam as Escrituras. O paralelo que o Danilo
Fernandes faz entre os vendilhões do Templo com os vendilhões da fé, é
irretocável.
Como também parece inevitável o
paralelo entre o comércio da fé hoje e o comércio da fé nos estertores da Idade
Média. A venda de indulgências, por exemplo, que provoca os protestos pioneiros
do inglês John Wycliffe, dos tchecos Jan Huss e Jerônimo de Praga, antecessores
das reformas propostas pelas 95 teses de Lutero, equipara-se, hoje, à venda da
cura, da felicidade, da prosperidade, da salvação eterna, desde que você
contribua financeiramente com as igrejas e os pastores televisivos.
Três vezes governador do Paraná e
prefeito de Curitiba estabeleci com as igrejas evangélicas e católica parcerias
magníficas, de grande resultados. Meus dois grandes companheiros em inúmeras
iniciativas sociais eram, de um lado, o pastor Pimentel, da Assembleia de Deus
e, de outro, o bispo católico Dom Agostinho Sartori. Quer no Governo, quer na
Prefeitura testemunhei o papel essencial, vital que as igrejas desempenham na
promoção humana, na solidariedade, na transformação das pessoas.
Abri a televisão pública estadual
às igrejas, para que elas propagassem a fé e difundissem conceitos éticos e
morais. Organizei festivais de música gospel, com a participação de todas as
denominações religiosas. Procurei deixar bem clara a minha posição de respeito
às igrejas e ao papel que desempenham na construção do processo civilizatório,
na formação da cidadania.
Nada disso vejo na “igreja da
televisão”. Elas pedem, mas não dão; elas prometem prosperidade, riqueza, desde
que você pague. Com seu enorme poder de comunicação, não lideram campanhas em
favor dos mais pobres, por hospitais, creches, pela redução da mortalidade
materno-infantil, pela erradicação do analfabetismo, pela frequência escolar,
contra o trabalhão escravo e contra a exploração da mão-de-obra infantil.
Quando lançou suas teses em 1517,
Lutero dizia que cada protestante era “um pouco hussita”, lembrando o assassinato
na fogueira do padre tcheco um século antes, condenado ao martírio por sua
radical oposição ao comércio da fé. Sejamos também “um pouco luteranos” na
firme oposição aos vendilhões de fé.
Sim, Danilo Fernandes, concordo, é
preciso que isso tenha um paradeiro. No entanto, pergunto: seria necessário a
coerção de uma lei para impedir o comércio da fé? Será que a educação, o
esclarecimento e a argumentação, aos moldes dos reformistas dos séculos XIV e
XV, não seriam o caminho indicado para combater essa novel simonia?
Quando fui prefeito de Curitiba
(1986-89), de comum acordo com a Associação Inter-Religiosa de Educação, a
Assintec, que reúne protestantes, católicos, mulçumanos, judeus, budistas e
tantos outros credos, restabeleci o ensino religioso nas escolas municipais da
cidade. Estava convencido, e continuo seguro, de que o ensino religioso (nada a
ver com proselitismo) desempenha um papel importantíssimo na formação de
crianças e jovens.
Não seria essa, caro Danilo, uma
das frentes de combate para vencer a terrível heresia da mercantilização da fé?
Roberto Requião
Senador da República
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